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Avatar de Joao MC

Ainda hoje, alguém me falou sobre o "perigo" de se perder a identidade por causa do excesso de imigração. Fica tranquila porque em lado nenhum associei o teu texto a imigração. O que me interessa é a parte da identidade se associar a características étnicas, raciais ou nacionais. Nunca entendo o que é isso de uma identidade nacional quando se usa isso não num contexto histórico ou geográfico mas num contexto da composição genética de uma multidão que o acaso fez com que vivessem num espaço fictício comum (na natureza, as fronteiras políticas são uma ficção humana, que o digam as andorinhas). Tudo isto para dizer: é inquietante a forma como um determinado grupo atribui a si próprio a qualidade de poder debater as identidades de todos, nunca permitindo que a sua própria esteja em discussão. Um grupo de pessoas sente a sua identidade ameaçada por causa da identidade de outras pessoas, nunca questionando a sua própria identidade e como ela se transforma por si mesma. Não consigo dizer nada sobre a identidade de uma mulher negra. Não consigo dizer nada sobre a identidade de uma mulher branca. Até, sobre a minha própria, tenho dificuldade em dizer algo. Quem eu sou? O que me define? E, se descobrir algo que me defina, em que medida me define realmente? Sou homem branco. Por que motivo, o meu género ou o tom da minha pele parece tão irrelevante para me definir e, ao mesmo tempo, parece tão relevante para quem tem um género ou um tom de pele diferente do meu? Quando olho para mim, não me defino como "homem branco" porque nunca ninguém olhou para o facto de ser homem e de ser branco como relevante para quem eu sou. Tenho a certeza que se eu fosse mulher e negra, olharia para mim como mulher e negra por assim ser definido. Numa sociedade de mulheres negras, ser mulher negra é fator de questionamento identitário? Aí, seria um homem branco que seria definivel por essas características? Isto para refletir: até que ponto a nossa identidade e autoperceção é gerada pelo nosso olhar sobre nó próprios e até que ponto é gerada pelo olhar da maioria que nos rodeia?

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Avatar de Carolayne Ramos

"até que ponto a nossa identidade e autoperceção é gerada pelo nosso olhar sobre nós próprios e até que ponto é gerada pelo olhar da maioria que nos rodeia?" — isto pode ser aplicado em qualquer circunstância. Seja pelo tom de pele, a orientação sexual, o comportamento, etc.

Em momento algum pensei que este desabafo de anos (porque sim, escrevi-o em 2020), fosse associado ao que temos vindo a observar com o tema da imigração, pois nasci, cresci, vivo, estudo e trabalho em Portugal desde sempre (27 anos, para ser mais precisa). No entanto, é curioso observar que, mesmo assim, nunca me senti a cem porcento no meu lugar, exatamente por causa da percepção que criaram sobre o que deve ser, onde deve estar, o que deve fazer uma pessoa negra. É uma película que se tem tornado cada vez menos ténue, portanto, o que escrevi pode perfeitamente ter sido escrito por outra pessoa, noutros contextos, exatamente pelo que destacas: em cenários onde há uma predominância do ser e do pensar, os que são considerados de fora "sente(m) a sua identidade ameaçada por causa da identidade de outras pessoas, nunca questionando a sua própria identidade e como ela se transforma por si mesma."

Daí ser importante refletirmos constantemente sobre o que somos além do que nos é imposto. Somos mais do que caixinhas.

Obrigada pela tua reflexão, João!

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Avatar de Joao MC

O que somos é uma questão sem fim, não é? Somos indivisiveis ao nos considerarmos individuos? Ou somos divisiveis? Há mais verdade naquilo que "somos" de acordo com aquilo que "estamos" ou naquilo que "somos" de acordo com aquilo que desejamos "estar"? A problemática entre o verbo "ser" e "estar" é muito interessante. Em português não a valorizamos muito porque alguém teve a perspicácia de separar os dois conceitos. Em francês, por exemplo, "ser/estar" enquanto um só verbo, deu origem (entre outras coisas) ao existencialismo de Sartre e de Beauvoir. A obra traduzida como "O ser e o nada", no seu original poderia ser "O ser/estar e o nada". Da mesma forma, a de Heidegger "O ser e o tempo". Será que em algum momento "somos"? Ou será que somos um somatório de "estar"?

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